Já virou tradição: nas festividades do padroeiro, duas imagens de São João Batista ganham destaque. Uma menor, de cerca de 50 centímetros, que fica próxima ao presbitério da catedral – e que inclusive está lá – e outra maior, medindo 1,5 metro. Essas duas imagens, há alguns anos, passaram a ser chamadas carinhosamente pelos festeiros e pela comunidade como Joãozinho e Joãozão. O primeiro, por ser mais leve, era itinerante, andava por toda a cidade, chegava a ser carregada no colo pelo casal festeiro. E a segunda ficava exposta em momentos solenes na Catedral ou mesmo durante as festas mais especiais. Mas, esse ano a imagem maior, o Joãozão, não será exposta. Embora não seja nada relacionado a pandemia de Covid-19, podemos dizer que a imagem está ‘doente’.
O pároco da Catedral, padre Diego Knecht conta que a imagem foi ataca por cupins e, assim, a restauração que já se fazia necessária pela ação do tempo se tornou urgente. Airton Westhsauser, restaurador que está com a imagem fazendo os levantamentos para o trabalho, conta que os cupins foram implacáveis, deixando a imagem muito danificada. “Para recuperá-la será necessário realizar um tratamento com inseticida para eliminar os cupins”, explica Airton. Segundo ele, caso a intervenção não fosse feita logo, o estrago seria maior. “Caso a restauração não fosse realizada, a imagem seria dominada pelos cupins em pouco tempo e sua exposição seria inviável”, detalha.
Imagem foi atacada por cupins
Restauração precisa de ‘padrinho’
Essa imagem de São João Batista é muito antiga na Paróquia. É a mesma que, ainda antes de iniciado o processo de revitalização para transformar a igreja matriz em catedral, estava no altar, bem ao lado da imagem do Cristo crucificado – aliás, essa imagem do Cristo, também restaurada pela mesma equipe, está na Capela da Ressurreição, à direita de quem entra na Catedral, onde normalmente os padres fazem o atendimento da Pastoral da Escuta. Desde então, o Joãozão passou a ser uma presença ilustre em ocasiões especiais.
Toda em madeira, a imagem mede aproximadamente um metro e meio. Como se pode imaginar, o trabalho de restauro é técnico e extremamente especializado. Ainda antes de eliminar todos os cupins e proteger a madeira de novos ataques, é preciso realizar uma limpeza profunda. Segundo Airton, consiste numa “lixação e a remoção da pintura atual o que trará à tona a pintura original da imagem”. Isso é importante não só porque recupera as cores originais (ou muito próximo das originais) como também revelará a idade da imagem. “Essa é uma informação que não temos na Paróquia. Até agora, não achamos nenhum registro da idade dessa imagem”, diz padre Diego.
A última etapa do processo será a pintura, que buscará as tonalidades originais. “Caso a restauração não for realizada, a imagem seria dominada pelos cupins em pouco tempo e sua exposição seria inviável”, aponta Airton. Mas, o problema é que esse trabalho custa caro e por mais que o restaurador seja generoso em seus orçamentos, ainda existe toda a questão dos materiais a serem utilizados. “Por isso estamos buscando parceiros. A ideia é arrumar padrinhos para esse restauro”, destaca padre Diego. Interessados em contribuir com o projeto de restauração do Joãozão podem procurar a Secretaria Paroquial.
São João estava no altar da Catedral. Com passar dos anos, imagem se deteriorou
A história da primeira imagem
Em 1866, a Antiga Igreja Matriz ainda não estava de pé como Paróquia e uma pequena capelinha de tábuas no local recebeu a visita do bispo Sebastião Dias Laranjeira. Vindo especialmente da Arquidiocese de Porto Alegre, dom Sebastião trouxe a primeira imagem de São João Batista para a comunidade. Essa pequena capela de tábuas foi erguida por volta de 1855, por desejo de Tristão Fagundes, proprietário das terras onde hoje se localiza a Catedral e que vai fazer a doação do terreno para a Cúria, à época ainda de Porto Alegre.
A pequena capela era ainda pertencente a igreja da freguesia de Triunfo. É ao seu redor que vai se desenvolver o número urbano do povoamento de São João do Montenegro, a vila como se chamava. Até então, somente as margens do Rio Cai, no antigo Porto das Laranjeiras é que havia mais concentração urbana. O resto era tomado por estâncias.
Dom Sebastião trouxe a imagem de São João Batista numa grande comitiva para a veneração da população. O religioso atendia a pedidos de famílias de proprietários de terras da região porque estávamos no início da Guerra do Paraguai (que vai dezembro de 1864 a março de 1870). E, numa guerra, quem não vai para o front ora por aqueles que estão em batalha. Muitos homens da região haviam sido recrutados para guerrear sobre o comando de Tenente-coronel Apolinário Pereira de Moraes.
Ao fim da Guerra, a vila já está consolidada e há estimativas de que contava com cerca de 150 construções em 1870. A comunidade cresce e em pequena capela já se perfaz como Paróquia São João Batista. Dom Sebastião volta a visitar a paróquia em 1872. Não se tem registro de que imagem seja essa e nem o que houve com ela. Certo é que não se trata do Joãozão que, embora há muitos anos na Paróquia, possivelmente não seja tão velho. “É uma história bonita, que estamos começando a revisitar para descobrir essas e muitas outras curiosidades. Claro é que desde de meados do século XIX a comunidade de Montenegro venera a imagem daquele que preparou os caminhos para o Cristo e o tem como santo padroeiro”, destaca o padre Diego.
Referência:
SCHMIDT, José Bonifácio e BÜTTENBENDER, Hugo. História da Igreja Católica Apostólica Romana em Montenegro. (In: KAUTZMANN, Maria Eunice Müller (org). Montenegro de Ontem e de Hoje. Vol I. São Leopoldo: Rotermund, 1979.