Da capela de taboas a missas pela internet: os esforços para manter unida a comunidade do “São João Batista de Montenegro”
Paróquia São João Batistas completa 149 anos nesse
28 de abril. Comunidade começa com uma pequena capela, se vira matriz, depois
Catedral. Transformações marcadas pelo espírito de comunidade
Por João
Vitor Santos, jornalista mestre em Ciências da Comunicação, acadêmico e
pesquisador em História
No
começo, um grupo de moradores e fazendeiros da região da Vila do São João de
Monte Negro se une para constituir uma pequena comunidade, erguendo uma capelinha
de taboas. Hoje, mais de 149 anos depois, diante de uma das mais duras crises
da humanidade, causada pela pandemia da Covid-19, mesmo diante da necessidade
de isolamento social, essa comunidade se mantém coesa, celebrando e rezando
desde o sacrário da Paróquia São João Batista unidos através das transmissões
das missas ao vivo pelas redes sociais. Talvez, o esforço feito pela comunidade
paroquial para viabilizar, de forma muito rápida, as transmissões das missas
seja muito semelhante aquele feito por antepassados que viam a necessidade de
erguer um templo mais perto do Cais das Laranjeiras, vizinho ao hoje chamado Morro
São João. Esse é um dos muitos motivos que todo o povo da Paróquia Catedral São
João Batista tem para celebrar, mesmo em um tempo de tribulação e incertezas,
os 149 anos de trabalhos que vão desde a evangelização, Celebração da Palavra, a
assistência aos necessitados e reunião de grupos que mantém vivo o espírito do
Cristo ressuscitado.
A
pequena capelinha erguida entre as poucas casas na colina, próximo ao fim da
Rua da Praia, hoje rua Dr. Flores, nasce praticamente junto com o povoado de
São João do Monte Negro. Na segunda metade da década de 1850, depois de passada
a Revolução Farroupilha (que vai de 1835 a 1845) Tristão José Fagundes decide
lotear parte das terras que recebera como herança da família da esposa, Bernardina
Maria de Araújo. A área ia mais ou menos do Cais do Porto, a partir da margem
direito do Rio Caí até, numa linha reta até próximo aos morros e elevações,
entre a região onde hoje ficam as localidades de Alfama e os bairros Faxinal e
Imigração, tendo o cume do morro São João como limite lateral. Fagundes
possivelmente decide lotear a área depois de perceber que a região se tornara
rota de passagem de viajantes e contingentes de homens e tropas que lutaram na
Revolução Farroupilha. É dele a iniciativa de doar um dos lotes para a
construção de uma primeira capela.
Segundo
os padres José Bonifácio Schmidt e Hugo Büttenbender, que recompõe a história
da Paróquia em 1979, documentos da Paróquia de Bom Jesus de Triunfo, da cidade
de Triunfo, da qual pertencia a região de Montenegro, registram a realização de
casamentos na região do porto, que então pertencia a Fazenda Monte Negro. Para
eles, a religiosidade da população local era tão forte que mesmo não podendo
fazer deslocamentos até Triunfo realizam celebrações na parte mais povoada,
junto ao cais do porto. Tristão e a esposa passam a viver numa casa, próximo de
onde hoje é a escola Delfina Dias Ferraz, e os primeiros lotes vendidos na
proximidade levam o centro do vilarejo do porto para o alto da colina. Em 1855,
surgem os primeiros registros de pedidos para a construção de uma capela no
vilarejo.
Nesses
documentos, consta a doação do lote feito por Tristão anos antes e o
comprometimento da comunidade local para a construção da capela de taboas. Essa
edificação sai, mas ainda como capela da Paróquia da Triunfo, sem ter ali
sequer um padre residente. Passam-se alguns anos e em 10 de setembro de 1861 é
erguida a pedra fundamental para a construção de uma nova igreja, agora de
alvenaria. Essa seria a que hoje conhecemos como a antiga igreja matriz, cuja
base ainda está de pé, abrigando a praça que fica na frente da Catedral.
Segundo relata Campos Neto, em sua pesquisa sobre Montenegro, em 1866 o
vilarejo recebe a primeira imagem de São João Batista, trazida pelo bispo D.
Sebastião Dias Laranjeiras. Nessa época, já haviam movimentos para a elevação
do vilarejo ao grau de freguesia e como autoridades religiosa e civil ainda
tinham concomitância, era importante que o vilarejo tivesse uma paróquia
autônoma.
Por
volta de 1870, o povoado estava em festa e comemorava a volta de moradores da
região que lutavam na Guerra do Paraguai (que vai de 1864 a 1870), sob o
comando do Tenente-coronel Apolinário Pereira de Moraes. Para se ter ideia do
tamanho da comemoração, Campos Neto relata que na região, no alto da colina e
cercanias, havia cerca de 150 construções. Ou seja, há um grande número de
fiéis que não vão mais a Triunfo e a criação de uma paróquia se faz mais do que
necessária.
Em 1871,
finalmente, nasce a Paróquia São João Batista
Nessa
década de 1870 ocorriam muitas disputas envolvendo o poder civil, na época o
império, e a própria Igreja. Havia grupos que defendiam a separação, enquanto
outros a manutenção da relação entre Estado e Igreja, que até então era quem
detinha, por exemplo, registros de nascimentos, casamentos e óbitos. Assim,
segundo recupera Campos Neto, em 18 de outubro de 1867 se cria a Freguesia de
Monte Negro. Isso se dá através de um ato do Governo da Província que, nesse
contexto de disputas por poder, não consulta a autoridade eclesial que, por sua
vez, não reconhece a separação e mantém o templo ainda ligado a Triunfo. Depois
de idas e vindas, a autoridade eclesial reconhece a necessidade de criação de
uma paróquia autônoma. Tanto Campos Neto como os padres Schmidt e Büttenbender
destacam documentos que revelam a pressão da comunidade local por esse
reconhecimento.
Assim,
em 1871, a autoridade eclesial dá como criada a Paróquia São João Batista de
Monte Negro (à época grafado dessa forma). Com isso, a comunidade, agora
paroquial, poderia finalmente em solo montenegrino ministrar sacramentos como
batismos de forma autônoma a Triunfo. O bispo D. Sebastião Dias Laranjeira
exige uma série de elementos litúrgicos no templo e, ainda, a criação e administração
de cemitério para os fieis. Demandas plenamente atendidas pela comunidade e
ainda antes do fim do ano de 1871, a Paróquia recebe seu primeiro padre, o
jesuíta Miguel Kellner.
Comunidade
viva desde sempre
Para se ter
ideia da mobilização comunitária desde ainda antes da fundação da Paróquia, há
uma história pitoresca narrada pelos padres Schmidt e Büttenbender. Para erguer
a capela de taboas não foi fácil, imagine para erguer uma nova Igreja (a antiga
matriz) e depois cumprir todas as exigências das autoridades da época para que
esse novo templo fosse reconhecido como sede de uma paróquia. No Brasil do
século XIX, ainda Império, a promoção de loterias reconhecidas pelo Estado era
frequente, como forma de angariar recursos. Com isso, a prática se espalha em
diversos níveis, desde o governo central, passando pelas províncias (hoje
estados) até chegar as freguesias e povoados. Não eram loterias como conhecemos
hoje, como a Loteria Federal Administrada pela Caixa Federal. Pareciam mais o
que conhecemos hoje como “rifa” ou “ação entre amigos”. E para arrecadar
recursos para a construção da Igreja foi feita uma dessas loterias, reconhecida
pela Assembleia Provincial e pelo governador da época, Francisco Xavier Pinto
de Lima em março de 1871.
De
Paróquia à sede da Diocese de Montenegro
Muitos
ainda guardam na lembrança a antiga Igreja Matriz, que acabou sendo demolida na
década de 1960, depois que, em 1965 foi inaugurada a nova igreja matriz. Há
quem lamente a destruição do antigo templo, mas fato é que tanto a antiga
quando a nova são erguidas mais uma vez por esforços comunitários, já que se
precisava de uma igreja maior. Hoje, nossa comunidade conta com 14 capelas
em comunidades onde são celebradas missas e ministrados sacramentos como
batismos e casamentos. Com um pároco, o padre Diego Knecht, e dois vigários
paroquias, os padres João Vitor Freitas dos Santos e Ercílio José Bohn, a São
João Batista conta com 12 grupos que desenvolvem ações pastorais e outros dez
movimentos, que reúnem desde crianças a idosos em encontros com momentos de
oração, reflexão e celebração.
Além
disso, a Igreja, desde 2 de julho de 2008 é também sede da Diocese de
Montenegro. Ou seja, o templo deixa de ser denominado Igreja Matriz da Paróquia
e passa a ser a Catedral da Diocese. Por isso hoje recebe a denominação
Paróquia Catedral São João Batista. Assim, além de manter viva a antiga
comunidade que lutou pela construção da capelinha de taboas no desejo de ver o
templo revitalizado para acolher fieis de toda a Diocese. Hoje, as obras estão
80% concluídas. No entanto, mais do que lembrar esses esforços materiais, é
importante destacar as ações para manter a comunidade unida. É o que faz com
que, mesmo em tempos de pandemia, com a necessidade de manter as portas fechadas,
estejamos juntos em oração por todos aqueles que fazem, fizeram e outras tantas
gerações que farão a nossa comunidade paroquial. Parabéns a todos nós e que
consigamos manter a Igreja sempre viva na comunidade da Paróquia Catedral São
João Batista em atos, ações, orações e celebrações.
Referências
CAMPOS NETTO, José Cândido de. MONTENEGRO.
Reeditado em 2014. Montenegro: Irmãos Gehlen, 1924.
SCHMIDT, José Bonifácio e BÜTTENBENDER, Hugo. História da Igreja Católica Apostólica Romana em Montenegro. In: KAUTZMANN, Maria Eunice Müller (org). Montenegro de Ontem e de Hoje. Vol I. São Leopoldo: Rotermund, 1979.
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